A morte ainda é cercada por muitos tabus e mitos. O que acontece com o corpo já sem vida, por vezes causa medo e estranhamento em muitas pessoas, mas é papel do tanatopraxista garantir que todos os procedimentos sejam realizados para que a pessoa e a família tenham uma despedida digna.
Josiane Oliveira é uma profissional que "cuida do amor da vida de alguém". Ela descobriu a tanatopraxia após dez anos trabalhando como empregada doméstica. Depois de se encontrar na profissão, ela decidiu também ensinar outras pessoas a exercerem a profissão com seriedade e empatia. Com 42 anos, Josiane tem dois filhos e vive com eles em Japeri, no interior do Rio de Janeiro, na baixada sul-fluminense.
A profissional explica que o tanatopraxista é responsável pelo procedimento de desinfecção e conservação de corpos, de cadáveres ou óbitos. "O tanatopraxista faz o tratamento de conservação para propiciar velórios longos, translados aéreos, terrestres, além de fazer restauração facial em corpos acidentados. Ou seja, nós salvamos memórias, cuidamos do amor da vida de alguém", destaca
Em entrevista exclusiva ao Portal Sou Catarina, Josiane contou mais sobre a sua história e a profissão. Confira!

Josiane, como você se interessou pela profissão de tanatopraxista?
Eu tenho algumas formações. Fiz curso de técnico de enfermagem, patologia, mas durante uma fase da minha vida, eu comecei a trabalhar como empregada doméstica e fiquei trabalhando como empregada doméstica durante dez anos. Muitas pessoas não entendiam porque eu tinha estudado tanto e estava trabalhando em casa de família, como a gente diz aqui no Rio de Janeiro. Mas tem coisas que não existe explicação.
Durante esses dez anos trabalhando, eu conheci, através de uma pessoa, a tanatopraxia. Eu comecei a me interessar, comecei a estudar sobre, até o dia que eu decidi procurar um curso de tanato. Encontrei o curso, na época eu tive muita dificuldade porque o valor era alto, mas eu, graças a Deus, no mês de dezembro, consegui realizar o curso. E me identifiquei, desde o momento que eu pisei pela primeira vez no laboratório.
Quando eu cheguei no laboratório, tinha na mesa um corpo em estado de putrefação, que é um corpo em estado avançado. Se tratava de uma pessoa que faleceu em casa e ficou por muitos dias ali sem ser encontrada. E as bactérias acabaram fazendo o começo da decomposição do corpo. Então, é um corpo que para muitos ainda choca, né, exala um odor bastante desagradável. Mas eu nunca me assustei com nada e parece que foi um reencontro. Então, através de uma pessoa que me apresentou a profissão, eu comecei a estudar e fui me apaixonando. E aqui estou.
Quais são os procedimentos que você realiza ao preparar um corpo para um velório ou funeral?
Os procedimentos realizados pelo tanatopraxista é um procedimento de troca de fluidos. Nós fazemos uma substituição do sangue por um fluido chamado fluido arterial. Através de uma bomba chamada bomba injetora, que nós denominamos coração fora do corpo. Fazemos também aspiração de líquidos corpóreos, gases, para que se faça o tratamento da cavidade abdominal, tecnicamente falando, para que a gente consiga combater as bactérias que estão ali no interior do organismo, bactérias essas que nós temos durante a nossa vida, algumas do bem, outras do mal.
E a gente trabalha justamente combatendo essas bactérias que fazem o avanço desses corpos, que levam esses corpos a extravasar líquidos corpóreos, como algumas pessoas já devem ter ido a velórios e ter visto ali o líquido escorrendo pelo nariz ou pela boca. Isso é o extravasamento de líquidos, causados pelo avanço da bactéria, que geram gases e que empurram esses líquidos geralmente em direção ao nariz e a boca, trazendo uma situação desagradável para as famílias ali naquele momento do último adeus. E é claro também, levando em consideração o risco para a saúde das pessoas que estão ali, porque esses líquidos já têm o subproduto da decomposição e dois deles bem nocivos para a nossa saúde, que é a putrescina e a cadaverina.
Então nós fazemos todo o procedimento de desinfecção e depois nós temos a finalização para preparar para o funeral, que é o tamponamento, a necromaquiagem, a tanatoestética, a estética da morte, onde a gente, após todo um procedimento, cuida da aparência. A gente se preocupa de como a gente vai apresentar esse ente querido para suas famílias.
A morte de alguém sempre é uma questão muito triste. Como você lida com as questões emocionais e psicológicas associadas ao trabalho com os falecidos e suas famílias?
A morte de uma pessoa realmente é uma coisa muito triste, principalmente para as famílias. Eu como profissional, eu costumo ser muito empática. Eu não posso dizer que eu sofro com cada óbito que eu preparo no laboratório, mas eu posso dizer que eu tenho respeito a cada família que está chorando aquela morte.
As pessoas costumam perguntar, Ah, mas se for uma pessoa que cometeu algo de errado? Eu não sou juíza. Eu respeito a dor da família. Essa pessoa pode ter tido um ato em vida que não foi visto com simpatia pela sociedade, ou pela justiça. Mas eu não posso julgar ninguém. Eu estou ali para trabalhar. Quando a gente assume um plantão, pode entrar pelo nosso portão muitos casos, crianças, adolescentes, suicídios, homicídios, feminicídio, infanticídio. E a gente tem que ter uma centralização. Eu costumo dizer que a gente precisa ter um ponto de equilíbrio.
Eu tenho empatia, mas eu não posso sofrer por aquela perda. Porque aí eu vou fazer vários gatilhos e não vou conseguir realizar o procedimento como tem que ser feito, que é a minha preocupação, entregar pra família um trabalho onde a família possa se despedir sem ter nenhum tipo de constrangimento durante aquele velório. Porque a família precisa aquele último adeus com uma certa "tranquilidade", na medida do possível. Ela precisa se despedir para guardar uma memória do seu ente querido que não te traga mais sofrimento que ela já está passando naquele momento com aquela perda.
Quando, por exemplo, eu estou preparando uma criança, muitas pessoas me perguntam sobre isso. Mas como você faz? Você é fria? Eu não sou fria. Eu sou profissional. Eu sou empática, mas eu não posso sofrer pela família. Eu preciso ser profissional para que eu consiga ajudar ao próximo, que é a família, a se despedir do seu ente querido. Então, quando eu tenho uma criança, por exemplo, na minha mesa, eu sou empática com o pai, com a mãe, com os familiares. Mas eu estou ali para realizar o procedimento, para que esse corpo possa ser transladado, para que possa, de repente, ficar em um velório longo, aguardando um familiar de longe. Então, existem várias situações onde um corpo, um óbito, precisa do procedimento de tanatopraxia. Logo, ele precisa de mim como profissional.
Com os falecidos, o meu respeito é sempre extremo. Eu gosto de cuidar. Eu digo que eu cuido do amor da vida de alguém, e digo até mais, eu cuido bem do amor da vida de alguém. No procedimento, além de toda a desinfecção, além do procedimento técnico, eu tenho shampoo, creme, no laboratório.
No Instituto de Tanatopraxia Agnus Dei, aqui em Taboão da Serra/SP, onde nós formamos muitos profissionais, a gente preza muito por isso. Shampoo, creme, por quê? Porque a família vai querer dar um beijinho, vai cheirar ali o cabelinho. Existem lugares que, infelizmente, passam desinfetante, água sanitária e a gente não aceita isso. Tem que ser tratado da melhor forma. Então eu penso que, se fosse comigo, eu gostaria de dar um beijinho ali no meu ente querido e sentir aquele cheiro de cabelo limpo. Eu quero pensar que o familiar vai dar aquele beijinho e não vai ter risco de se contaminar por um erro meu, por eu não ter cuidado bem.
Eu digo sempre, não é um procedimento romântico, mas pode ser humanizado, porque a morte não é romântica, mas a gente pode humanizar esse momento grande de dor. E é claro, aquela pessoa que está na minha mesa, que tem uma história de vida, que tem mãos e eu não sei o que as mãos dela lutou, tem olhos e eu nem imagino o que os olhos dela viram. Então a única coisa que me resta é respeitar sempre.
No seu perfil você comenta que sempre está lidando com o amor da vida de alguém. Qual a importância da empatia na sua profissão?
A empatia é tudo. A empatia é o respeito a dor do outro, é não fazer ao outro o que eu não gostaria que fizesse comigo. É tratar o amor de outra pessoa da mesma forma que eu gostaria que tratassem os meus amores. Então, a empatia na profissão é primordial. Eu costumo dizer que uma pessoa que não tem empatia não consegue realizar o procedimento de tanatopraxia. Eu costumo dizer que tanatopraxia não é uma profissão, é uma "profidom", porque nós somos escolhidos. Quem escolhe e faz de qualquer forma, na maioria das vezes, não dura muito tempo na profissão. A tanatopraxia tem o seu chamado e tem os seus escolhidos.
Você acredita que o seu trabalho nas redes ajuda a desmistificar um pouco o tabu que envolve os procedimentos com os corpos após a morte?
Acredito que ajuda sim a desmistificar. Muitas pessoas me procuram e falam "muito obrigado por tratar com carinho esse assunto", "eu não podia ir num velório, mas depois de assistir os seus vídeos, eu já encaro de outra forma". Então eu acredito que não deixa de ser uma desmistificação e uma conscientização de que cadáver não é assombração, não é fantasma, são pessoas que estão corpos sem vidas, mas não deixaram de ser os amores de suas famílias.
Eu tento mostrar também que os profissionais precisam ter respeito e empatia, pois eles estão lidando com a vida de alguém e o luto de um familiar. E as pessoas precisam viver o seu luto para que não tenha nenhum outro problema psicológico mais tarde.

Você também é instrutora de tanatopraxia avançada, necromaquiagem e restauração facial. Como surgiu o interesse em ministrar esses conteúdos e como funcionam suas aulas?
Hoje eu sou uma instrutora de Tanatopraxia. Com dois anos de formada eu já era instrutora. Eu costumo dizer que Deus me deu esse dom e eu honro esse dom todos os dias. Eu comecei a ministrar curso com a ajuda de uma amiga que é proprietária do Instituto de Tanatopraxia Agnus Dei, ela foi minha aluna no Rio de Janeiro de aula prática, conheceu meu trabalho, gostou muito e a gente criou uma amizade. Logo depois eu vim trabalhar em São Paulo, em Taboão da Serra, e ela me propôs que ministrasse cursos.
No primeiro instante eu falei nunca, não vou fazer isso. Já ensinava dentro do laboratório, mas aí comecei a amadurecer a ideia, eu e ela sentamos, formulamos o nosso material e hoje nós já tivemos mais de 30 turmas no Instituto Agnus Dei. As aulas são teóricas e práticas, sete dias consecutivos. A gente disponibiliza alojamento para os alunos que moram distantes, para ficar durante esses dias. A maioria dos locais são quatro dias, o nosso são sete, para que o aluno saia daqui preparado para o mercado. Parece poucos dias, mas o treinamento, dia após dia, faz com que a pessoa saia daqui satisfeita e preparada aí para o mercado de trabalho.
Então, eu ministro curso em Taboão da Serra, no Instituto de Estanato Praxia, Agnus Dei, através dessa minha amiga maravilhosa que me deu um voto de confiança, que foi a Odete. E a gente está junto até hoje, formando profissionais e salvando vidas, porque muita gente vem desesperançosa, e esse é um curso livre e não existe grau de escolaridade, então qualquer pessoa pode fazer e isso deixa as pessoas bastante felizes.
Inclusive, essa parceria de trabalho começou lá atrás com esse convite de ser instrutora, e hoje eu também sou sócia do Instituto. Nós temos também um trabalho de doação, tem alguns corpos que não têm condições de ser velado pelas famílias. Então, com a autorização da Odete e do Flávio Casemiro, que também faz parte da diretoria, a gente segue cuidando do amor da vida de alguém sempre.
O meu interesse em ministrar tanatopraxia surgiu a partir do momento que eu comecei a ver alguns profissionais que não tem empatia e usam a profissão expondo, fazendo piadas, cometendo o crime do artigo 212 do código penal brasileiro que é o vilipêndio ao cadáver. A falta de respeito ao cadáver, seu osso e suas cinzas. Aí surgiu o interesse de mostrar uma tanatopraxia com seriedade, comprometimento e empatia. E tem dado certo pois somos referência dentro e fora do Brasil.
Quais conselhos você daria a alguém que está considerando seguir uma carreira na tanatopraxia?
O conselho que eu dou, primeiramente, é se amar, porque a gente não consegue doar amor para quem não vai levantar de uma cama fria e agradecer se a gente não se ama, se a gente não ama os nossos familiares, os nossos próximos. Não trabalhe nunca para ter elogios, nós cuidamos de pessoas sem vida, que não podem se defender e nós tratamos as dores das famílias a partir do momento que a gente coloca no velório um trabalho bem realizado, para que eles possam se despedir. Também, não se coloque no lugar da família, porque isso vai gerar um sofrimento imenso, seja profissional, seja empático. Respeite a dor do próximo e trabalhe sempre para amenizar essa dor.
Não julgue, nós não somos juízes. Quem tem que julgar quem está vivo é o homem, na terra, e quem julga os mortos é Deus. Um tanatopraxista presta o melhor serviço seja quem for. Se o corpo foi para o laboratório, é sinal que a família autorizou. Se a família autorizou, ela quer os cuidados que a gente pode oferecer. Então, não julgue, seja empático, tenha respeito, saiba o momento de falar, o momento de calar, respeite a dor do luto, pois a gente não sabe o que o outro está sentindo. A gente só imagina, mas nunca sabe o que a morte traz para a vida de uma pessoa.

Fotos: Arquivo Pessoal
Josiane Oliveira é uma profissional que "cuida do amor da vida de alguém". Ela descobriu a tanatopraxia após dez anos trabalhando como empregada doméstica. Depois de se encontrar na profissão, ela decidiu também ensinar outras pessoas a exercerem a profissão com seriedade e empatia. Com 42 anos, Josiane tem dois filhos e vive com eles em Japeri, no interior do Rio de Janeiro, na baixada sul-fluminense.
A profissional explica que o tanatopraxista é responsável pelo procedimento de desinfecção e conservação de corpos, de cadáveres ou óbitos. "O tanatopraxista faz o tratamento de conservação para propiciar velórios longos, translados aéreos, terrestres, além de fazer restauração facial em corpos acidentados. Ou seja, nós salvamos memórias, cuidamos do amor da vida de alguém", destaca
Em entrevista exclusiva ao Portal Sou Catarina, Josiane contou mais sobre a sua história e a profissão. Confira!

Josiane, como você se interessou pela profissão de tanatopraxista?
Eu tenho algumas formações. Fiz curso de técnico de enfermagem, patologia, mas durante uma fase da minha vida, eu comecei a trabalhar como empregada doméstica e fiquei trabalhando como empregada doméstica durante dez anos. Muitas pessoas não entendiam porque eu tinha estudado tanto e estava trabalhando em casa de família, como a gente diz aqui no Rio de Janeiro. Mas tem coisas que não existe explicação.
Durante esses dez anos trabalhando, eu conheci, através de uma pessoa, a tanatopraxia. Eu comecei a me interessar, comecei a estudar sobre, até o dia que eu decidi procurar um curso de tanato. Encontrei o curso, na época eu tive muita dificuldade porque o valor era alto, mas eu, graças a Deus, no mês de dezembro, consegui realizar o curso. E me identifiquei, desde o momento que eu pisei pela primeira vez no laboratório.
Quando eu cheguei no laboratório, tinha na mesa um corpo em estado de putrefação, que é um corpo em estado avançado. Se tratava de uma pessoa que faleceu em casa e ficou por muitos dias ali sem ser encontrada. E as bactérias acabaram fazendo o começo da decomposição do corpo. Então, é um corpo que para muitos ainda choca, né, exala um odor bastante desagradável. Mas eu nunca me assustei com nada e parece que foi um reencontro. Então, através de uma pessoa que me apresentou a profissão, eu comecei a estudar e fui me apaixonando. E aqui estou.
Quais são os procedimentos que você realiza ao preparar um corpo para um velório ou funeral?
Os procedimentos realizados pelo tanatopraxista é um procedimento de troca de fluidos. Nós fazemos uma substituição do sangue por um fluido chamado fluido arterial. Através de uma bomba chamada bomba injetora, que nós denominamos coração fora do corpo. Fazemos também aspiração de líquidos corpóreos, gases, para que se faça o tratamento da cavidade abdominal, tecnicamente falando, para que a gente consiga combater as bactérias que estão ali no interior do organismo, bactérias essas que nós temos durante a nossa vida, algumas do bem, outras do mal.
E a gente trabalha justamente combatendo essas bactérias que fazem o avanço desses corpos, que levam esses corpos a extravasar líquidos corpóreos, como algumas pessoas já devem ter ido a velórios e ter visto ali o líquido escorrendo pelo nariz ou pela boca. Isso é o extravasamento de líquidos, causados pelo avanço da bactéria, que geram gases e que empurram esses líquidos geralmente em direção ao nariz e a boca, trazendo uma situação desagradável para as famílias ali naquele momento do último adeus. E é claro também, levando em consideração o risco para a saúde das pessoas que estão ali, porque esses líquidos já têm o subproduto da decomposição e dois deles bem nocivos para a nossa saúde, que é a putrescina e a cadaverina.
Então nós fazemos todo o procedimento de desinfecção e depois nós temos a finalização para preparar para o funeral, que é o tamponamento, a necromaquiagem, a tanatoestética, a estética da morte, onde a gente, após todo um procedimento, cuida da aparência. A gente se preocupa de como a gente vai apresentar esse ente querido para suas famílias.
A morte de alguém sempre é uma questão muito triste. Como você lida com as questões emocionais e psicológicas associadas ao trabalho com os falecidos e suas famílias?
A morte de uma pessoa realmente é uma coisa muito triste, principalmente para as famílias. Eu como profissional, eu costumo ser muito empática. Eu não posso dizer que eu sofro com cada óbito que eu preparo no laboratório, mas eu posso dizer que eu tenho respeito a cada família que está chorando aquela morte.
As pessoas costumam perguntar, Ah, mas se for uma pessoa que cometeu algo de errado? Eu não sou juíza. Eu respeito a dor da família. Essa pessoa pode ter tido um ato em vida que não foi visto com simpatia pela sociedade, ou pela justiça. Mas eu não posso julgar ninguém. Eu estou ali para trabalhar. Quando a gente assume um plantão, pode entrar pelo nosso portão muitos casos, crianças, adolescentes, suicídios, homicídios, feminicídio, infanticídio. E a gente tem que ter uma centralização. Eu costumo dizer que a gente precisa ter um ponto de equilíbrio.
Eu tenho empatia, mas eu não posso sofrer por aquela perda. Porque aí eu vou fazer vários gatilhos e não vou conseguir realizar o procedimento como tem que ser feito, que é a minha preocupação, entregar pra família um trabalho onde a família possa se despedir sem ter nenhum tipo de constrangimento durante aquele velório. Porque a família precisa aquele último adeus com uma certa "tranquilidade", na medida do possível. Ela precisa se despedir para guardar uma memória do seu ente querido que não te traga mais sofrimento que ela já está passando naquele momento com aquela perda.
Quando, por exemplo, eu estou preparando uma criança, muitas pessoas me perguntam sobre isso. Mas como você faz? Você é fria? Eu não sou fria. Eu sou profissional. Eu sou empática, mas eu não posso sofrer pela família. Eu preciso ser profissional para que eu consiga ajudar ao próximo, que é a família, a se despedir do seu ente querido. Então, quando eu tenho uma criança, por exemplo, na minha mesa, eu sou empática com o pai, com a mãe, com os familiares. Mas eu estou ali para realizar o procedimento, para que esse corpo possa ser transladado, para que possa, de repente, ficar em um velório longo, aguardando um familiar de longe. Então, existem várias situações onde um corpo, um óbito, precisa do procedimento de tanatopraxia. Logo, ele precisa de mim como profissional.
Com os falecidos, o meu respeito é sempre extremo. Eu gosto de cuidar. Eu digo que eu cuido do amor da vida de alguém, e digo até mais, eu cuido bem do amor da vida de alguém. No procedimento, além de toda a desinfecção, além do procedimento técnico, eu tenho shampoo, creme, no laboratório.
No Instituto de Tanatopraxia Agnus Dei, aqui em Taboão da Serra/SP, onde nós formamos muitos profissionais, a gente preza muito por isso. Shampoo, creme, por quê? Porque a família vai querer dar um beijinho, vai cheirar ali o cabelinho. Existem lugares que, infelizmente, passam desinfetante, água sanitária e a gente não aceita isso. Tem que ser tratado da melhor forma. Então eu penso que, se fosse comigo, eu gostaria de dar um beijinho ali no meu ente querido e sentir aquele cheiro de cabelo limpo. Eu quero pensar que o familiar vai dar aquele beijinho e não vai ter risco de se contaminar por um erro meu, por eu não ter cuidado bem.
Eu digo sempre, não é um procedimento romântico, mas pode ser humanizado, porque a morte não é romântica, mas a gente pode humanizar esse momento grande de dor. E é claro, aquela pessoa que está na minha mesa, que tem uma história de vida, que tem mãos e eu não sei o que as mãos dela lutou, tem olhos e eu nem imagino o que os olhos dela viram. Então a única coisa que me resta é respeitar sempre.
No seu perfil você comenta que sempre está lidando com o amor da vida de alguém. Qual a importância da empatia na sua profissão?
A empatia é tudo. A empatia é o respeito a dor do outro, é não fazer ao outro o que eu não gostaria que fizesse comigo. É tratar o amor de outra pessoa da mesma forma que eu gostaria que tratassem os meus amores. Então, a empatia na profissão é primordial. Eu costumo dizer que uma pessoa que não tem empatia não consegue realizar o procedimento de tanatopraxia. Eu costumo dizer que tanatopraxia não é uma profissão, é uma "profidom", porque nós somos escolhidos. Quem escolhe e faz de qualquer forma, na maioria das vezes, não dura muito tempo na profissão. A tanatopraxia tem o seu chamado e tem os seus escolhidos.
Você acredita que o seu trabalho nas redes ajuda a desmistificar um pouco o tabu que envolve os procedimentos com os corpos após a morte?
Acredito que ajuda sim a desmistificar. Muitas pessoas me procuram e falam "muito obrigado por tratar com carinho esse assunto", "eu não podia ir num velório, mas depois de assistir os seus vídeos, eu já encaro de outra forma". Então eu acredito que não deixa de ser uma desmistificação e uma conscientização de que cadáver não é assombração, não é fantasma, são pessoas que estão corpos sem vidas, mas não deixaram de ser os amores de suas famílias.
Eu tento mostrar também que os profissionais precisam ter respeito e empatia, pois eles estão lidando com a vida de alguém e o luto de um familiar. E as pessoas precisam viver o seu luto para que não tenha nenhum outro problema psicológico mais tarde.

Você também é instrutora de tanatopraxia avançada, necromaquiagem e restauração facial. Como surgiu o interesse em ministrar esses conteúdos e como funcionam suas aulas?
Hoje eu sou uma instrutora de Tanatopraxia. Com dois anos de formada eu já era instrutora. Eu costumo dizer que Deus me deu esse dom e eu honro esse dom todos os dias. Eu comecei a ministrar curso com a ajuda de uma amiga que é proprietária do Instituto de Tanatopraxia Agnus Dei, ela foi minha aluna no Rio de Janeiro de aula prática, conheceu meu trabalho, gostou muito e a gente criou uma amizade. Logo depois eu vim trabalhar em São Paulo, em Taboão da Serra, e ela me propôs que ministrasse cursos.
No primeiro instante eu falei nunca, não vou fazer isso. Já ensinava dentro do laboratório, mas aí comecei a amadurecer a ideia, eu e ela sentamos, formulamos o nosso material e hoje nós já tivemos mais de 30 turmas no Instituto Agnus Dei. As aulas são teóricas e práticas, sete dias consecutivos. A gente disponibiliza alojamento para os alunos que moram distantes, para ficar durante esses dias. A maioria dos locais são quatro dias, o nosso são sete, para que o aluno saia daqui preparado para o mercado. Parece poucos dias, mas o treinamento, dia após dia, faz com que a pessoa saia daqui satisfeita e preparada aí para o mercado de trabalho.
Então, eu ministro curso em Taboão da Serra, no Instituto de Estanato Praxia, Agnus Dei, através dessa minha amiga maravilhosa que me deu um voto de confiança, que foi a Odete. E a gente está junto até hoje, formando profissionais e salvando vidas, porque muita gente vem desesperançosa, e esse é um curso livre e não existe grau de escolaridade, então qualquer pessoa pode fazer e isso deixa as pessoas bastante felizes.
Inclusive, essa parceria de trabalho começou lá atrás com esse convite de ser instrutora, e hoje eu também sou sócia do Instituto. Nós temos também um trabalho de doação, tem alguns corpos que não têm condições de ser velado pelas famílias. Então, com a autorização da Odete e do Flávio Casemiro, que também faz parte da diretoria, a gente segue cuidando do amor da vida de alguém sempre.
O meu interesse em ministrar tanatopraxia surgiu a partir do momento que eu comecei a ver alguns profissionais que não tem empatia e usam a profissão expondo, fazendo piadas, cometendo o crime do artigo 212 do código penal brasileiro que é o vilipêndio ao cadáver. A falta de respeito ao cadáver, seu osso e suas cinzas. Aí surgiu o interesse de mostrar uma tanatopraxia com seriedade, comprometimento e empatia. E tem dado certo pois somos referência dentro e fora do Brasil.
Quais conselhos você daria a alguém que está considerando seguir uma carreira na tanatopraxia?
O conselho que eu dou, primeiramente, é se amar, porque a gente não consegue doar amor para quem não vai levantar de uma cama fria e agradecer se a gente não se ama, se a gente não ama os nossos familiares, os nossos próximos. Não trabalhe nunca para ter elogios, nós cuidamos de pessoas sem vida, que não podem se defender e nós tratamos as dores das famílias a partir do momento que a gente coloca no velório um trabalho bem realizado, para que eles possam se despedir. Também, não se coloque no lugar da família, porque isso vai gerar um sofrimento imenso, seja profissional, seja empático. Respeite a dor do próximo e trabalhe sempre para amenizar essa dor.
Não julgue, nós não somos juízes. Quem tem que julgar quem está vivo é o homem, na terra, e quem julga os mortos é Deus. Um tanatopraxista presta o melhor serviço seja quem for. Se o corpo foi para o laboratório, é sinal que a família autorizou. Se a família autorizou, ela quer os cuidados que a gente pode oferecer. Então, não julgue, seja empático, tenha respeito, saiba o momento de falar, o momento de calar, respeite a dor do luto, pois a gente não sabe o que o outro está sentindo. A gente só imagina, mas nunca sabe o que a morte traz para a vida de uma pessoa.

Fotos: Arquivo Pessoal