POLíTICA

Segunda deputada negra de Santa Catarina em 89 anos - Entrevista exclusiva com Vanessa da Rosa

Com 16.832 votos na eleição de 2022, a professora Vanessa da Rosa (PT) se tornou a primeira suplente da coligação "Federação Brasil da Esperança", composta pelos partidos PT, PCdoB e PV.

No dia 19 de outubro, ela assumiu temporariamente uma vaga na Assembleia Legislativa de Santa Catarina e, apesar de ser um mandato breve, é carregado de significado. Isso pois Vanessa é a segunda mulher negra a assumir o cargo de deputada estadual, depois de 89 anos. Em 1934, Antonieta de Barros foi a primeira mulher negra eleita no Brasil.

Com o objetivo de dar continuidade ao legado de Antonieta e servir como referência para outras meninas e mulheres, brancas e negras, é que Vanessa encara esse desafio. O simbolismo de seu mandato é tanto, que ela ficará no cargo até 20 de novembro, Dia da Consciência Negra.

Em uma conversa exclusiva com o Portal Sou Catarina, a deputada Vanessa da Rosa falou sobre a sua trajetória na política, seu trabalho na Alesc e sua visão da política. Confira!

Vanessa, você poderia se apresentar para as leitoras do Portal Sou Catarina? 
Meu nome é Vanessa da Rosa, eu tenho 50 anos, minha família é de Santa Catarina, mas eu nasci em Curitiba, meus pais, na época, foram morar pra lá, minha mãe professora, meu pai era repórter fotográfico, e eu acabei nascendo em Curitiba.

Eu sou professora há 33 anos, eu comecei trabalhando com a educação infantil, no SESI, depois eu passei para supervisão da educação infantil, eu trabalhei com supervisão de educação de jovens e adultos, fui coordenadora de educação de jovens e adultos, fui gerente de assistência educando, professora do ensino superior, por muitos anos, até o ano passado estava no ensino superior, trabalhei nos cursos de jornalismo, publicidade de propaganda, turismo e enfermagem do Bom Jesus Ielusc.

Trabalhei na Sociesc com os cursos de Direito, Pedagogia e Ciências Sociais. Trabalhei na Uniasselvi, vi muitos anos com os cursos de Pedagogia, cursos de Pós-Graduação, cursos de Formação de Professores.
Eu sou pedagoga, minha graduação é em Pedagogia, sou especialista em História da Arte pela Univille, especialista em Educação de Jovens e Adultos pela UnB. Sou Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina, hoje estou como professora da Rede Pública Municipal, já há 23 anos.

Fui Secretária Municipal de Educação no governo do PT em 2012, feito esse que foi extremamente significativo, pensando nas características de Joinville, uma cidade que cultua suas tradições germânicas e ressalta muito a colaboração do imigrante europeu na formação da cidade.

Então, estar como secretária de educação da maior rede de ensino de Santa Catarina, uma mulher preta, professora, funcionária pública, periférica, foi muito significativo. Foi significativo como pessoa, como profissional, significativo para a cidade, para o povo negro, que tem o seu saber legitimado, a sua epistemologia legitimada, epistemologia essa, tão relegada durante mais de 300, quase 400 anos de escravização do povo negro, onde o nosso saber sempre foi colocado em xeque, até hoje é colocado em cheque, então foi muito importante para mim.



Qual o seu sentimento em ocupar esse cargo histórico como a segunda mulher negra deputada estadual em Santa Catarina? Como você vê a evolução e os desafios enfrentados por mulheres negras na política?

O sentimento é de vitória, é de emoção, é de realização, é de estar fazendo parte da história de Santa Catarina, porque vamos combinar que quase 100 anos sem ter uma mulher preta na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, é um fato que a gente não pode normalizar, não pode achar que é comum, então eu me sinto extremamente lisonjeada, em poder, 89 anos após Antonieta de Barros, dar continuidade ao seu legado, servir como referência para outras meninas, outras mulheres, outras mulheres brancas e principalmente para as mulheres negras, de que é possível, de que a gente pode estar nesse espaço, que esse espaço também é nosso de direito.

Embora seja um mandato de 33 dias, pela gentileza do Padre Pedro que se licenciou e me deu essa oportunidade, esse mandato é gigante no seu simbolismo, na sua historicidade, na sua representatividade, isso é importante para o estado de Santa Catarina, isso é importante para as mulheres de Santa Catarina, é importante para as mulheres negras do Brasil e de Santa Catarina, porque nós somos sub-representadas no parlamento brasileiro, nas assembleias legislativas nós temos só 18% de mulheres e só 7% dessas mulheres são mulheres negras, nas câmaras federais nós temos 513 deputados e só 91 mulheres, e mais né, na câmara de deputados são 91 mulheres. E só nove mulheres, são mulheres negras, então a gente precisa mudar esse quadro, a gente precisa incentivar mais as mulheres a se colocarem à disposição para as eleições, mas para além disso a gente precisa trabalhar a informação política, a gente precisa encorajar essas mulheres entendendo que o ambiente político é um ambiente hostil, sim, porque é um ambiente masculino e branco, majoritariamente masculino e branco.

Nós mulheres historicamente não fomos preparadas para sermos eleitas, nós fomos preparadas para organizar as campanhas dos homens, então é todo um refazer da trajetória das mulheres para que elas se sintam capazes de estar nesse espaço, a gente não pode esquecer que as mulheres têm tripla jornada, nós temos 11 milhões de mulheres que são mães solos nesse país e que 6,9 milhões dessas mães solos. São mulheres negras, então tem todo um contexto que muitas vezes é desencorajador para estar no ambiente político, sem contar que a violência política também é muito grande, as nossas pautas são desconsideradas, os microfones são cortados, os parlamentares se importam com o cabelo, com a vestimenta e vão invisibilizando as pautas e agredindo as mulheres das mais diversas formas.

Então, se nós não nos fortalecermos fica cada vez mais difícil nos inserirmos nesse ambiente, por isso nós mulheres precisamos sim nos unir, nós precisamos trabalhar a formação política, nós precisamos nos colocar à disposição, mas também precisamos de uma rede de apoio que garanta que a nossa presença nas eleições vai ser para realmente competir e conseguirmos nos eleger, e não para sermos laranja, como infelizmente muitas mulheres ainda se prestam a esse papel.

Como você avalia o seu trabalho e as ações realizadas como deputada estadual nessas últimas semanas?
Meu mandato, e assim como foi durante toda a minha campanha, e que não poderia ser diferente, eu sou professora há 33 anos, então educação para mim sempre vai ser prioridade. A gente não pode esquecer que nós temos 10 milhões de jovens que estão fora da escola, jovens entre 15 e 29 anos, que não concluem o seu ensino médio porque precisam sair para trabalhar, precisam ajudar suas famílias, então a gente precisa urgente de políticas públicas e graças a Deus o governo Lula já sinalizou nesse sentido que a gente precisa repensar o ensino médio, um ensino médio mais atrativo, um ensino médio que realmente dê alguma possibilidade desses jovens se inserir no mercado, mas que também ele tenha uma formação mais humanística, porque a gente quer sim excelentes alunos, a gente quer jovens cientistas, a gente quer alunos nota 10, mas a gente também quer seres humanos melhores, a sociedade anseia, por isso a nossa sociedade precisa de seres humanos melhores.



Você avalia que a sua experiência na educação e também como ex-secretária da Educação de Joinville e professora estão influenciando em suas ações no Parlamento? Como?
Educação sempre vai ser a minha bandeira, valorização dos professores, valorização da escola pública gratuita e laica, mas eu também trago muito forte comigo o combate à violência contra a mulher. Nós estamos num estado extremamente violento, Santa Catarina ocupa a nona posição no ranking de violência contra a mulher, a cada um minuto 38 mulheres são violentadas e dessas 38 mulheres 65% são mulheres negras, isso é inadmissível num país como o Brasil.

Então nós precisamos de políticas públicas que combatam a violência contra a mulher, a violência de gênero, a violência doméstica, a violência política, eu acho que isso é urgente, são as mães solos que mais são vítimas da da violência doméstica, então tem muita coisa nesse sentido de valorização da mulher, de combate à violência que a gente precisa fazer.

E é óbvio que eu não poderia deixar de citar a prioridade de uma educação antirracista. Se nós queremos reverter esse quadro de violência contra as mulheres pensando que a maioria das mulheres violentadas são mulheres negras, que a maioria dos jovens negros são os que estão fora da escola, que esses índices todos desfavoráveis ao povo negro tem origem lá atrás nos quase 400 anos de escravização desse povo, a gente precisa pensar uma educação antirracista, uma educação que combata práticas racistas, que realmente mostra a contribuição do povo negro na construção do país, assim que a gente está vivendo.

Como de todas as outras etnias, porque quando eu falo de uma educação antirracista eu não estou tratando de um assunto de negros e negras, eu estou tratando de um assunto da sociedade brasileira. E isso precisa ser discutido, a escola é um ambiente, profícuo para essa discussão, para a mudança de atitudes, e assim como a escola é um ambiente profícuo para tudo isso, é triste dizer que a grande maioria das pessoas que já sofreram alguma experiência de racismo, essa experiência aconteceu dentro da escola, então é lá que a gente tem que trabalhar.



Poderia falar mais sobre o propósito do seu livro publicado recentemente "A invisibilidade da mulher negra em Joinville"?
Este livro é fruto da minha dissertação. Eu, durante o meu período de mestrado, fiz análise de trajetórias de mulheres negras que atuam na educação infantil, e a época o Estado ainda atendia a educação infantil, o Estado ainda tinha seis, e as mulheres negras que atuam na área da saúde, não como enfermeiras, porque o curso de enfermagem ainda é bem inacessível à grande maioria das mulheres, principalmente das mulheres negras, mas as técnicas em enfermagem. É interessante porque esse trabalho já tem um tempo, eu fiz o mestrado, eu concluí o mestrado em 2006, mas eu resolvi publicar porque os índices, as trajetórias, as narrativas, elas não mudaram muito.

Apesar do tempo, essas mulheres que eu entrevistei, a grande maioria viu na educação uma oportunidade de fugir do serviço doméstico, porque hoje 65% das mulheres negras, elas estão no serviço doméstico, ainda hoje, em 2023. Veja, eu fiz a pesquisa entre 2004 e 2006 e essa já era a realidade dessas mulheres. Então elas ingressam no magistério como uma forma de fugir dessa bola de neve que acaba sendo a vida de muitas delas. A avó é do serviço doméstico, a mãe também e elas quiseram romper com essa trajetória. Então os cursos de licenciatura, principalmente os cursos de pedagogia, são os mais em conta e essas mulheres ingressam nesses cursos não necessariamente por vocação. Mas por uma opção de resistência, de dizer, nós queremos outros espaços, não é só o espaço doméstico, o espaço fabril, o espaço da subserviência que nos serve, nós podemos estar em outros espaços. Uma fala muito forte de uma delas, que me marca até hoje, expressa muito disso que eu estou dizendo pra vocês, é ser professora pra fugir da vassoura, é você tentar galgar um outro status, as mulheres negras, entre todos os índices que nós temos, o IDH, a situação de moradia, de escolaridade, de maternidade, são os piores possíveis.

E na fala das trabalhadoras da saúde, isso também fica muito presente, porque são trabalhadoras da saúde que não são enfermeiras, são técnicas em enfermagem, e que também vem nesta ocupação, uma possibilidade de não estar no serviço doméstico. E muito mais, muito forte na fala delas, a ancestralidade, a questão do passado escravista, a questão de por quantos anos as mulheres negras estiveram servindo a "casa grande", amamentando os filhos das sinhazinhas como amas de leite impossibilitadas de amamentar os próprios filhos, cuidando da ferida do senhor ali de escravos, cuidando da vida dessas pessoas e sem a possibilidade de cuidar da sua própria família, apartadas de seus filhos, de seus companheiros, tendo que servir o senhor da casa grande em todos os sentidos, inclusive sexuais. Então, assim, é muito triste a trajetória dessas mulheres, é muito forte ainda o sentimento dessas trabalhadoras da saúde, desse nó que a gente está vivendo, desse nosso passado vergonhoso de quase 400 anos de um verdadeiro sistema escravagista.

A gente não pode esquecer que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão e ainda assim, quando o faz, o faz sem as mínimas condições de pretos e pretas, negros e negras sobreviverem de forma digna nesse país, sem nenhum tipo de política pública reparatória. Não foi à toa que eu protocolei, assim que assumi, o projeto que obriga o Estado de Santa Catarina a estabelecer cotas para os concursos públicos do Estado. É uma vergonha, uma lei que já existe desde 2014, que foi sancionada pela presidenta Dilma, que diz que os concursos públicos no Brasil devem prever reserva de vagas para pretos e pardos. Santa Catarina fez vistas grossas para isso e seus concursos não têm essa possibilidade. Tanto é que eu recebi o pessoal do Sindalesc, que é o sindicato da Alesc de um concurso que estava em andamento e foi suspenso por outras razões, mas um concurso vigente e que não traz a reserva de vagas para pretos e pardos.

Então essa questão das cotas, ela é fundamental, ela já mostrou que é eficaz, ela é uma política afirmativa, é uma política reparatória para as minorias que historicamente foram discriminadas, entre elas os negros, então a política de cotas é necessária, existe uma lei que precisa ser cumprida e Santa Catarina não pode ficar fora disso, então é urgente que os concursos públicos aqui em todas as esferas do estado de Santa Catarina prevejam a reserva de vagas para pretos e pardos.

A gente precisa dizer também para a sociedade que cotas não têm nada a ver com capacidade, com cognição ou com coisa parecida. Cotas, reserva de vagas para pretos e pardos fazem parte de uma política reparatória, uma política pública, uma ação afirmativa para esses grupos que não tiveram o direito de estudar, para esses grupos que passaram quatro séculos de escravização e não tiveram acesso à educação. Da mesma forma que nós temos cotas para negros, nós temos cotas sociais também, nós temos cotas para pessoas pobres, nós temos cotas para as mulheres, nós temos cotas para os idosos, para as crianças, a nossa sociedade é cotizada.

A única polêmica que causa é quando se fala de cotas para negros, então isso precisa ficar muito claro, que o racismo não se dá somente por conta de classe social. O racismo se dá por conta da cor da pele. Se fosse por conta de uma questão social, seria mais fácil a gente construir políticas públicas reparatórias. Mas não acontece assim. O negro, mesmo rico, ele continua sofrendo racismo porque o problema é com a cor da pele. A gente tem exemplos cotidianos de famosos, de milionários que são negros e sofrem racismo. Porque o que incomoda essa pessoa que tem essa visão desvirtuada da sociedade, de uma hierarquia, uma supremacia branca, europeia, não é a questão econômica, é a questão de cor. Então, uma pessoa pobre, branca, ela tem menos chances de sofrer discriminação do que uma pessoa rica e preta. É isso que precisa ficar claro para a sociedade. O racismo é uma questão de cor.
 

O Partido Trabalhista (PT) alcançou a disputa pelo segundo turno estadual. De que forma você avalia que esse resultado pode influenciar nas eleições municipais em 2024?
Acho que a gente teve um feito extremamente significativo na última eleição, que foi o segundo turno das eleições em Santa Catarina, né, Décio Lima conseguiu ir para o segundo turno da eleição de Santa Catarina, para governador, com uma mulher preta, com o Bia Vargas, que foi, assim, decisiva, sabe, eu acho que a presença da Bia na campanha do Décio deu um gás, deu uma cara diferente, proporcionou para as pessoas, assim, a ideia de uma Santa Catarina mais representativa. Acho que isso contribuiu muito para a ida dele ao segundo turno.

Penso que o governo Lula tem feito bastante coisa em pouco tempo. A gente pode dizer que hoje nós temos um ministério da educação, aliás nós temos um ministro da educação, nós temos uma ministra da cultura, nós resgatamos o ministério da igualdade racial, nós temos o ministro de direitos humanos, então essas pastas elas são extremamente representativas para o nosso país, nós temos Fernando Haddad de ministro da economia, então o governo Lula está com uma equipe de ponta, já sinalizou a reforma do ensino médio, nós vamos poder repensar o ensino médio que é um dos grandes gargalos da nossa educação, agora com as cheias em Santa Catarina, prontamente, se colocou à disposição, liberou recursos, mandou a equipe pra cá, mandou ministros, a possibilidade das famílias atingidas retirarem o fundo de garantia, eu acho que assim, o governo Lula nos trouxe a esperança de novo, nos trouxe.

A possibilidade de respirar, o respeito aos professores e sua liberdade de cátedra, o respeito à ciência, a gente passou quatro anos de negacionismo, de professores sendo condenados o tempo todo, como se nós fôssemos os vilões da história, das universidades sendo colocadas em cheque, como se fossem espaços de balbúrdia. Então, acho que tudo isso que o governo Lula consegue trazer de novo para a gente, a representatividade das universidades, os concursos públicos, a valorização da ciência, das vacinas, o respeito pelas minorias, a possibilidade de negociar as dívidas agora com o programa Desenrola, eu acho que a gente vive momentos muito bons. Nós estamos com menor índice de desemprego. Nos últimos dez anos, quer dizer, o país está entrando nos eixos, a gente encontrou a casa muito desorganizada. Nós estamos agora buscando direitos que nós já tínhamos conquistado, então, assim, é muita coisa para resolver. Mas acho que o governo Lula tem acertado muito em muitas ações.
 

Quais são os seus planos futuros dentro da política? Quais cargos ainda almeja alcançar?
Quanto ao meu futuro para 2024, ainda não tem nada definido, o que eu tenho de definição é que eu vou viver e experienciar com toda a minha plenitude esse mandato de deputada estadual, defendendo as minhas pautas, atendendo as pessoas, estando no meio do povo, que é o que eu gosto de fazer. E para 2024 a gente vai pensar, estamos conversando, existem alguns alinhamentos do partido, mas não tem nada definido, eu prefiro um passo de cada vez, eu prefiro viver as coisas ao seu momento, e aí para 2024 a gente vê depois.

Fotos: Arquivo Pessoal/Alesc


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